A arquitetura é muito mais do que estética, ela define a funcionalidade e o bem-estar dos ocupantes de um ambiente. E um dos aspectos mais importantes nesse sentido, porém frequentemente negligenciado, é a acústica. Dessa forma, seja para controlar ou potencializar o som dentro de espaços, surge a arquitetura acústica, que visa tanto o bem-estar dos indivíduos quanto a funcionalidade de um ambiente.
Para aprofundarmos o tema, convidamos para um bate-papo Jô Vasconcellos e Rafael Yanni, arquitetos responsáveis pelo projeto da Sala Minas Gerais, uma das grandes referências em arquitetura acústica no Brasil e no mundo. Durante a conversa, Jô e Rafael falam sobre como surgiu a demanda, os principais desafios e como o projeto foi desenhado para proporcionar a melhor experiência para músicos e plateia.
Para começar, como os sons afetam a nossa saúde?
Antes de qualquer coisa, é importante mencionar os conceitos de ruído e decibéis, que são a base da construção de qualquer projeto acústico.
O ruído é uma combinação de sons de diferentes frequências e intensidades que se propaga pelo ar como uma onda de pressão gerada pela vibração das partículas ao redor. Quando essas ondas atingem nossos ouvidos, o tímpano capta a vibração, permitindo que percebamos o som. Já os decibéis (dB) expressam a intensidade de um som em escala logarítmica, ou seja, um aumento de 10 dB corresponde a um som percebido como duas vezes mais alto.
Podemos concluir, então, que o nível de ruído é quantificado em decibéis (quanto maior o nível de decibéis, mais intenso o som) e que a exposição contínua a sons altos e ruídos acima de 85 dB pode ter um impacto direto na saúde física e mental, causando problemas como perda auditiva, estresse, distúrbios do sono e até problemas cardiovasculares.
Arquitetura acústica: o que é e qual a sua importância?
A arquitetura acústica é a área da arquitetura focada no controle da propagação do som dentro de um espaço, visando tanto o conforto acústico quanto a funcionalidade do ambiente. Ela garante que os espaços sejam adequados para suas finalidades, sejam eles salas de concertos, escolas, hospitais, estúdios, escritórios ou residências.
Desde as primeiras civilizações, os humanos buscaram maneiras de controlar o som em seus espaços. Na Grécia Antiga, os teatros ao ar livre, como o Teatro de Epidauro, foram projetados de forma a proporcionar uma acústica perfeita, permitindo que até mesmo sussurros fossem ouvidos com clareza.
Com o passar dos séculos, a evolução da arquitetura acústica acompanhou as demandas por melhores condições em diferentes tipos de edifícios. Atualmente, os ruídos dentro de uma edificação são classificados em dois tipos principais:
- Ruídos aéreos: são aqueles transmitidos pelo ar, como conversas, música e tráfego, que se propagam facilmente pelas aberturas e vãos.
- Ruídos de impacto: resultam de objetos colidindo com superfícies, como passos ou batidas de portas, que se transmitem diretamente por estruturas como paredes e pisos.
A propagação do som dentro de um ambiente segue regras físicas que dependem da forma e dos materiais do espaço. O som se propaga em ondas e pode ser absorvido, refletido ou difratado ao encontrar obstáculos. Em um ambiente fechado, essas ondas reverberam nas superfícies, criando eco e distorções, ou são absorvidas, dependendo dos materiais e das técnicas utilizadas. Um bom projeto acústico melhora a comunicação, reduz o estresse e aumenta a produtividade, além de proteger a saúde dos usuários.
Conheça as normas relacionadas à arquitetura acústica
Em projetos arquitetônicos no Brasil, as normas técnicas relacionadas ao controle acústico são estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
A NBR 10152, por exemplo, regulamenta os níveis de pressão sonora adequados para o conforto acústico em diversos tipos de ambientes. Ela estabelece os limites de ruído, medidos em decibéis, para garantir o bem-estar e a saúde das pessoas, dependendo da função do espaço. A norma também orienta sobre os métodos de medição e os tipos de equipamentos necessários para essas aferições, garantindo que o nível sonoro esteja em conformidade com o uso previsto de cada espaço.
Já a NBR 15575 estabelece requisitos mínimos de desempenho para edificações habitacionais, abrangendo aspectos como segurança, sustentabilidade, conforto e durabilidade. Ela é dividida em seis partes, que abordam desde a resistência mecânica e a estanqueidade das edificações, até o desempenho térmico, acústico e lumínico, buscando assegurar que as construções atendam a padrões adequados de habitabilidade.
Estratégias usadas para melhorar a qualidade acústica de ambientes
As soluções acústicas dependem do tipo de edificação e de suas necessidades. Em residências, o foco está no isolamento entre ambientes e na redução de ruídos externos. Já em escritórios, além do isolamento, a difusão sonora é importante para evitar que conversas perturbem os trabalhadores. Salas de concertos, teatros e estúdios de gravação exigem um controle acústico mais sofisticado, que equilibre a reverberação, a difusão e o isolamento.
Algumas das estratégias mais usadas são:
- Absorção sonora: materiais como lã de rocha, carpetes, cortinas e painéis acústicos são usados para absorver o som e reduzir a reverberação.
- Isolamento acústico: técnicas como paredes duplas, vidros insulados e pisos flutuantes ajudam a bloquear a entrada ou saída de sons indesejados.
- Difusão sonora: superfícies irregulares ou curvadas, como painéis difusores, espalham o som de maneira uniforme, melhorando a clareza acústica.
- Reverberação controlada: o tempo de reverberação deve ser ajustado de acordo com a finalidade do ambiente. Em uma sala de concertos, por exemplo, um certo nível de reverberação é necessário para amplificar a música, enquanto em salas de aula o tempo de reverberação deve ser reduzido para evitar ruídos excessivos.
Como ter o melhor nível de qualidade em acústica arquitetônica?
Para alcançar o melhor nível de qualidade em acústica arquitetônica, é fundamental envolver especialistas no assunto desde o início do projeto. A concepção acústica deve ser integrada ao projeto arquitetônico, considerando o uso de materiais apropriados, a forma do ambiente e as funções que ele deve cumprir.
- Abordagens à concepção acústica: a escolha de materiais e a forma do edifício devem ser pensadas em conjunto. Por exemplo, o uso de cortinas pesadas e tapetes em salas de reunião pode melhorar a absorção do som, enquanto paredes curvas podem dispersar o som de maneira uniforme em auditórios.
- Uso de tecnologias: softwares de simulação acústica permitem prever como o som se comportará em um ambiente antes de sua construção, facilitando ajustes no projeto.
Sala Minas Gerais: exemplo e referência internacional em arquitetura acústica
Um dos maiores exemplos de excelência em acústica no Brasil é a Sala Minas Gerais, sede da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Inaugurada em 2015 em Belo Horizonte (MG), essa sala de concertos foi projetada por meio de uma colaboração entre Jô Vasconcellos, Rafael Yanni e José Augusto Nepomuceno (sendo este responsável pelo projeto acústico), além de renomados engenheiros acústicos internacionais que ajustaram cada detalhe para garantir a melhor experiência sonora.
A qualidade acústica da Sala Minas Gerais é tão excepcional que se tornou referência mundial. O espaço conta com um sofisticado sistema de acústica que pode ajustar o ambiente de acordo com o tipo de apresentação. Além disso, ele foi planejado para garantir que cada assento tenha uma experiência sonora homogênea, algo alcançado por meio de cuidadosa engenharia e uso de materiais específicos.
Por dentro do projeto da Sala Minas Gerais
O projeto da Sala Minas Gerais envolve uma combinação de arquitetura moderna e acústica avançada – seu design foi pensado para proporcionar uma experiência impecável para concertos sinfônicos.
A sala foi projetada para funcionar como um verdadeiro instrumento musical, ou seja, sua própria estrutura é capaz de reproduzir e amplificar a música. O papel dos acústicos, nesse processo, se assemelha ao de um luthier, artesão que constrói instrumentos musicais – nesse caso, os profissionais manipulam o ambiente, esculpindo o vazio interno da sala e definindo volumes, formas e dimensões. Ou seja, cada aspecto da sala, do formato à disposição das cadeiras, influencia a qualidade da acústica.
Desde o início, a concepção da sala foi orientada pela ideia de refletir o vigor e a força artística da Filarmônica – sendo uma orquestra jovem e cheia de energia, a sala precisava romper com modelos tradicionais e rígidos. Isso resultou em um conceito que une o envolvimento do público em “terraços” com as características acústicas eficientes de salas em formato retangular, causando proximidade e envolvimento.
Para dar forma a essa visão, o projeto começou pela definição das grandes dimensões internas, com atenção especial à área do palco – isso não se limitou ao espaço físico necessário para acomodar os músicos, mas também ao espaço acústico ao redor deles. Depois, o foco passou para a disposição da plateia, considerando fatores como visibilidade, envolvimento com a apresentação, qualidade acústica e percepção espacial.
Para testar e refinar as ideias, uma maquete acústica em escala 1:50 foi construída, permitindo simulações reais de som dentro do ambiente projetado. A cada avanço no projeto, a maquete era atualizada e os ensaios realizados nela serviam para ajustar ainda mais os detalhes.
Muitos dos elementos icônicos da sala, como as grandes paredes curvas, chamadas de “velas”, surgiram desse processo de avaliação e testes. Como as velas de um navio que capturam o vento, essas estruturas direcionam a música, permitindo que ela “navegue” pela sala, espalhando o som em diversas direções, ajustando o volume de ar e, assim, impactando a propagação das ondas sonoras.
Além disso, o projeto das paredes, estruturas e demais instalações foi pensado para garantir o silêncio dentro da sala, ou seja, cada detalhe contribui para isolar sons externos e evitar qualquer interferência.
O que arquitetos e designers podem extrair do projeto da Sala Minas Gerais?
O projeto da Sala Minas Gerais oferece lições para arquitetos e designers que desejam integrar a acústica em seus projetos.
Em primeiro lugar, a importância da colaboração entre especialistas para garantir que todos os aspectos de um projeto sejam avaliados – a escolha de materiais adequados, o uso de formas que favoreçam a difusão e absorção sonora, e a flexibilidade para adaptar o ambiente a diferentes necessidades são ensinamentos que podem ser aplicados em projetos de diversas escalas. Além disso, o foco na experiência do usuário reforça a importância de pensar na funcionalidade acústica como um fator de conforto e bem-estar.
A arquitetura acústica é essencial para o sucesso de qualquer projeto que envolva som, e exemplos como a Sala Minas Gerais demonstram que, quando bem executada, a arquitetura acústica pode elevar a experiência de um espaço a um novo patamar.
Sobre Jô Vasconcellos e Rafael Yanni
Jô Vasconcellos é uma arquiteta e urbanista mineira reconhecida por seu trabalho na arquitetura contemporânea, atuando em habitação social e espaços públicos e valorizando materiais locais e a inclusão social. Além de sua produção arquitetônica, Jô é uma referência no ensino de arquitetura, inspirando novas gerações com seu compromisso com a transformação social por meio do design.
Rafael Yanni é um arquiteto brasileiro, mestre pela UFMG e sócio-diretor MACh Arquitetura em Belo Horizonte. Ele se destaca por projetos inovadores que integram criatividade, tecnologia e sustentabilidade, equilibrando funcionalidade e estética em diversas escalas, desde residenciais a comerciais, sempre com foco no bem-estar e nas necessidades contemporâneas.
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