A arquitetura, como campo de criação e funcionalidade, tem o poder de transformar a forma como interagimos com o mundo ao nosso redor. E um dos princípios mais importantes da área é a inclusão, que busca criar espaços acessíveis e confortáveis para todos, independentemente de suas capacidades físicas, sensoriais ou cognitivas – esse conceito, amplamente divulgado em todo o mundo, é conhecido como arquitetura inclusiva.
Desde a escolha da maçaneta de uma porta até a concepção de edifícios e espaços urbanos, a acessibilidade é uma missão que beneficia toda a sociedade. Para aprofundar o assunto da melhor forma, convidamos Marcelo Pinto Guimarães, arquiteto, ex-professor e doutor em design, para uma conversa sobre a importância da arquitetura inclusiva e como os profissionais do setor podem (e devem!) ser mais inclusivos em seus projetos.
Primeiramente, o que é a arquitetura inclusiva?
A arquitetura inclusiva refere-se ao planejamento e construção de espaços que atendam às necessidades de todas as pessoas. Ela parte do princípio de que ambientes devem ser desenhados para serem usados por todos sem a necessidade de adaptações posteriores, promovendo a igualdade de acesso.
Os impactos da arquitetura inclusiva são profundos, pois vão além da funcionalidade física dos espaços, possibilitando que todos possam interagir da mesma forma com os espaços, o que influencia positivamente a qualidade de vida. Além disso, ela também é economicamente vantajosa, uma vez que cria ambientes mais duráveis e funcionais, reduzindo a necessidade de reformas e adaptações posteriores, muitas vezes custosas.
Saiba o que a lei brasileira diz sobre acessibilidade
No Brasil, a acessibilidade é regulamentada pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. A lei estabelece que espaços públicos e privados devem ser projetados de forma a garantir que pessoas com deficiências possam ter autonomia e segurança ao utilizá-los.
Além disso, a NBR 9050 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) define os parâmetros para acessibilidade em projetos de construção civil. Ela abrange aspectos como dimensões de rampas, inclinações, largura de portas, entre outros, garantindo que espaços sejam acessíveis para cadeirantes, pessoas com mobilidade reduzida e outros tipos de deficiências.
Exemplos de arquitetura inclusiva no Brasil e no mundo
No Brasil, um exemplo notável de arquitetura inclusiva é o Museu do Amanhã no Rio de Janeiro, que foi planejado desde o início para ser acessível a todos. O espaço conta com rampas, elevadores acessíveis, pisos táteis e sinalizações em braille.
Outro exemplo global é o Library of Birmingham no Reino Unido, que integra rampas suaves, elevadores acessíveis, iluminação pensada para todas as necessidades e uma sinalização visual clara para garantir que todos possam aproveitar bem o espaço.
Como o Design Universal contribui para o assunto?
O conceito de Design Universal foi desenvolvido por um grupo de arquitetos, engenheiros e pesquisadores liderados pelo arquiteto Ronald Mace, da Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Mace, que era PCD, buscou criar um modelo de design que fosse inclusivo desde a concepção, sem a necessidade de adaptações posteriores.
O termo foi criado em 1985 e o conjunto dos sete princípios fundamentais do design universal foi formalizado em 1997 pelo Center for Universal Design, organização fundada por Mace na Carolina do Norte. São eles:
- Uso equitativo: o design deve ser utilizável e acessível por pessoas com diferentes habilidades, garantindo que ninguém seja excluído ou tenha uma experiência inferior.
- Flexibilidade de uso: oferece múltiplas opções para que diferentes pessoas possam interagir com o espaço ou produto da forma que melhor atenda às suas necessidades e preferências.
- Uso simples e intuitivo: o design deve ser de fácil compreensão, independentemente da experiência anterior do usuário, seu conhecimento, idioma ou nível de concentração.
- Informação perceptível: as informações essenciais devem ser comunicadas de forma eficaz a todos, utilizando diferentes modos, como visual, auditivo e tátil, para que usuários com diferentes limitações possam compreender.
- Tolerância ao erro: o design deve minimizar os riscos e consequências adversas de ações acidentais ou não intencionais, garantindo a segurança dos usuários.
- Baixo esforço físico: o design deve permitir que seja utilizado com o mínimo de esforço físico, reduzindo a necessidade de força excessiva, repetição ou ações desajeitadas.
- Dimensão e espaço para aproximação e uso: deve haver espaço adequado para a aproximação, o alcance e o uso, independentemente do tamanho corporal, postura ou mobilidade do usuário.
O design universal é uma abordagem de planejamento que visa criar ambientes, produtos e serviços que possam ser usados por todas as pessoas, independentemente de idade, habilidade ou condição física, sem a necessidade de adaptações posteriores. Assim, os profissionais antecipam as necessidades de diferentes grupos de usuários, criando projetos que melhoram a experiência de uso para a população em geral.
Como a arquitetura inclusiva pode beneficiar todos, sem exceção?
O que muitas vezes passa despercebido é que a arquitetura inclusiva beneficia não apenas pessoas com deficiência, mas toda a população. Um ambiente acessível é mais seguro e confortável para todos, como mães com carrinhos de bebê, idosos com mobilidade reduzida temporária ou permanente e até mesmo alguém que caminha carregando muitas compras.
Rampas, por exemplo, são úteis para cadeirantes, mas também facilitam o acesso para entregadores ou pessoas com carrinhos de compras. Elevadores acessíveis são fundamentais não só para quem tem dificuldades de locomoção, mas também para aqueles que estão com crianças pequenas ou bagagens pesadas. A inclusão por meio desses pequenos exemplos cria um senso de pertencimento e igualdade, contribuindo para uma sociedade mais justa e equilibrada.
Como arquitetos e designers de interiores podem ser mais inclusivos?
A arquitetura inclusiva representa um compromisso com a criação de ambientes que respeitam as necessidades e a dignidade de todos os usuários.
Os arquitetos podem adotar uma abordagem inclusiva desde a fase de concepção do projeto. Desde uma pequena modificação, como a instalação de uma maçaneta acessível, até projetos grandiosos, como edifícios públicos e praças, a acessibilidade deve estar no centro de qualquer projeto arquitetônico. Isso pode ser feito ao:
- Educar-se e se informar sobre as necessidades de diferentes grupos: participar de workshops, cursos e eventos sobre acessibilidade e inclusão.
- Consultar a legislação vigente: seguir as diretrizes da NBR 9050 e da Lei Brasileira de Inclusão.
- Incluir a comunidade no processo: projetos colaborativos com pessoas com deficiência podem ajudar a identificar desafios e propor soluções mais adequadas.
- Pensar no Design Universal: criar ambientes que sejam usáveis por todos, sem a necessidade de adaptações ou soluções temporárias.
A missão da acessibilidade é de todos e cabe aos arquitetos liderarem o caminho, criando espaços que promovam igualdade, bem-estar e inclusão social.
Como fazer projetos acessíveis? Saiba o que deve ser considerado!
Para desenvolver um projeto de arquitetura verdadeiramente inclusivo, é necessário considerar as diferentes deficiências e como cada uma delas influencia a interação de uma pessoa com o ambiente construído.
Para pessoas com mobilidade reduzida ou que utilizam cadeiras de rodas, por exemplo, é necessário garantir o fácil acesso a todos os espaços. Isso inclui a instalação de rampas, elevadores com botões em altura acessível, corredores largos, banheiros adaptados e portas mais amplas. As rampas devem ter inclinação suave, e o piso deve ser antiderrapante, mesmo quando molhado.
No caso de deficientes visuais, é essencial incluir pisos táteis, que orientam a circulação de forma segura, além de contrastes nas cores das paredes e das sinalizações. A iluminação deve ser uniforme, evitando áreas com sombras muito escuras ou luzes muito intensas.
Para deficientes auditivos, é recomendável incluir sistemas de comunicação visual, como sinalização clara e telas interativas. Espaços de circulação e espera podem incluir sistemas de alarme visual (com luzes piscantes) além dos sonoros.
Pessoas com deficiências cognitivas, como autismo, também se beneficiam de espaços projetados com calma e simplicidade em mente. Ambientes com sinalizações simples e intuitivas, cores suaves, e áreas sensoriais ajudam a evitar a sobrecarga sensorial e facilitam a orientação no espaço.
O que não pode faltar em um projeto inclusivo?
- Rampas e elevadores acessíveis, essenciais em qualquer projeto de mais de um pavimento;
- Banheiros adaptados com barras de apoio e espaço para cadeiras de rodas manobrarem;
- Pisos táteis para guiar deficientes visuais em espaços públicos e privados;
- Portas e corredores amplos que facilitem a mobilidade para cadeirantes;
- Sinalização clara e em braille que garanta que todos possam se orientar com facilidade;
- Iluminação adequada, evitando áreas mal iluminadas ou com luzes muito fortes.
Sobre Marcelo Pinto Guimarães
Marcelo Pinto Guimarães é arquiteto, ex-professor da Faculdade de Arquitetura da UFMG, doutor em design e diretor do Adaptse, laboratório de acessibilidade em design e arquitetura.
Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (1982), concluiu o mestrado em Architecture – State University of New York (1990) e o doutorado em Design – North Carolina State University at Raleigh (2005).
Tem experiência de prática profissional na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em didática sobre design universal e acessibilidade para todos, e em planejamento e projetos da edificação pela UFMG (1994-2022), atuando principalmente em avaliação de qualidade da experiência de pessoas com comprometimento da mobilidade, práticas inclusivas e projetos de acessibilidade universal pela arquitetura.
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