Casa, lar, abrigo: para muitos, esses conceitos representam o espaço que fornece segurança e conforto. Mas e aqueles que não têm onde se abrigar, como ficam? A verdade é que o direito à moradia deveria ser universal, mas a realidade das ruas nos mostra outra história.
Nesse sentido, o conceito de “direito à cidade”, criado por Henri Lefebvre, é um marco na reflexão sobre urbanização e inclusão social, pauta que ultrapassa os limites do tempo. Em um mundo onde a desigualdade urbana se manifesta de várias formas, desde a falta de moradia até a exclusão de populações marginalizadas, discutir como arquitetos e urbanistas podem promover uma cidade mais inclusiva é uma das principais vias para a reparação do problema.
A seguir, confira um pouco sobre a ideia do direito à cidade de Lefebvre, como ela se conecta ao direito à moradia e, principalmente, como se aplica ao contexto atual, além das medidas executadas para enfrentar os desafios existentes.
Afinal, o que é o direito à cidade?
Henri Lefebvre, filósofo e sociólogo francês, introduziu o conceito de direito à cidade em 1968, no contexto de uma urbanização desenfreada que, segundo ele, alienava as pessoas de seus espaços urbanos. Para Lefebvre, o direito à cidade vai além do simples acesso aos espaços urbanos; ele envolve a participação ativa dos cidadãos na construção e transformação das cidades. Isso inclui o direito de todos os indivíduos a usufruir dos benefícios que as cidades oferecem e a participação na gestão dos recursos urbanos.
Dessa forma, o direito à cidade é uma reivindicação coletiva para que todos, independentemente de classe social, etnia ou gênero, tenham voz na criação de uma cidade que atenda às necessidades de todos os seus habitantes. Isso porque, de acordo com o autor, a cidade deve ser um espaço de encontro, onde a diversidade é celebrada e a exclusão é combatida.
O direito à moradia como forma de pertencimento à cidade
Não dá para falar sobre direito à cidade sem mencionar o direito à moradia. Consagrado no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 11 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ele afirma que toda pessoa tem direito a moradia, saúde e bem-estar, e os Estados devem garantir esse direito.
No Brasil, esse direito é garantido pela Constituição Federal de 1988 (artigo 6º) e é reforçado pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que visam promover a função social da propriedade e garantir o acesso à moradia digna.
Vale lembrar que a moradia não se resume a ter um teto, mas sim deve incluir a segurança da posse, disponibilidade de serviços, materiais, infraestrutura, acessibilidade, localização e adequação cultural. Esse conceito mais amplo de moradia é essencial para a criação de cidades mais inclusivas e que promovam o bem-estar de todos os cidadãos, como defende Lefebvre.
Contexto brasileiro: desafios e exclusões sociais
Apesar de o direito à cidade ser formalmente reconhecido por vários tratados ao redor do mundo, ele ainda está longe de ser uma realidade para milhões de pessoas em todo o mundo, inclusive no Brasil.
Para termos uma noção, mais de 300 mil brasileiros vivem em situação de rua (UFMG, 2024) e mais de 16 milhões de pessoas (8% da população) vivem em favelas e comunidades urbanas (IBGE, 2023). Enquanto isso, o país conta com um déficit habitacional de 6 milhões de domicílios, de acordo com informações da Fundação João Pinheiro (2024). Ou seja, se há oferta e demanda, por que é tão difícil criar uma solução?
Alguns fatores contribuem para esse agrave, como a especulação imobiliária, ou seja, a prática de comprar imóveis ou terrenos com a intenção de vendê-los posteriormente a um preço mais alto. Além de tornar a moradia inacessível para grande parte da população, essa prática pode levar à gentrificação, na qual moradores de baixa renda são deslocados de suas comunidades devido à valorização excessiva das áreas, ou à estagnação de regiões, pois terrenos ou imóveis são mantidos vazios por longos períodos na expectativa de valorização futura, retardando o desenvolvimento das cidades.
Outro aspecto é a exclusão de populações historicamente marginalizadas, como a comunidade LGBTQIAP+, pessoas negras, pessoas em situação de rua e usuários de drogas. Esses grupos frequentemente enfrentam exclusão em espaços urbanos e são alvos de políticas que visam “limpar” as áreas públicas com repressão em vez de criar políticas de inclusão e assistência.
Uma das formas mais conhecidas de repressão de usuários de drogas e pessoas em situação de rua, por exemplo, é o uso da arquitetura hostil, que inclui desde bancos que impedem que pessoas se deitem até grades e muros que isolam comunidades. Ou seja, ao invés de criar soluções para a falta de acesso à moradia, a arquitetura hostil marginaliza ainda mais pessoas que precisam de apoio social.
Conheça as medidas de combate ao redor do mundo
Diversas medidas têm sido implementadas no mundo para enfrentar esses desafios. Políticas de controle de aluguéis e regulação do mercado imobiliário, por exemplo, são adotadas em algumas cidades europeias para garantir que a moradia permaneça acessível para a população de baixa renda.
Em Barcelona, o programa “Superblocks” visa transformar áreas urbanas em espaços mais habitáveis, limitando o tráfego de veículos e criando mais áreas verdes e espaços públicos. Em Amsterdam, o projeto “Housing First” oferece moradia estável para pessoas em situação de rua, antes de tratar outras questões como a dependência química. Já Viena, na Áustria, conseguiu criar um ambiente urbano onde a moradia pública robusta e acessível é considerada um direito fundamental, e não uma mercadoria.
E no Brasil, o que anda acontecendo?
As políticas nacionais de direito à cidade no Brasil têm evoluído ao longo dos anos, buscando garantir a inclusão social e assegurar que direitos fundamentais sejam respeitados e promovidos.
O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), de 2001, é um dos marcos legais mais importantes para o direito à cidade no Brasil, já que estabelece diretrizes para o desenvolvimento urbano sustentável e o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo. Em 2009, o Plano Nacional de Habitação (PlanHab) foi lançado com o objetivo de estabelecer a integração das políticas habitacionais com saneamento, mobilidade urbana e desenvolvimento social, visando garantir o direito à moradia e promover a inclusão social. Por fim, a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) visa promover o desenvolvimento urbano sustentável, garantindo que o crescimento das cidades seja ordenado e inclusivo.
Como arquitetos e urbanistas podem contribuir nesse cenário?
Arquitetos e urbanistas podem desempenhar um papel muito importante na promoção de cidades mais inclusivas.
Ao projetar espaços urbanos, esses profissionais devem considerar a diversidade e a necessidade de integração social. Também podem atuar na transformação de espaços existentes, tornando-os mais acessíveis e acolhedores para populações marginalizadas. Lembre-se de que você também tem o poder de transformar nossas cidades em espaços de convivência, diversidade e respeito, onde todos têm o direito de pertencer.
Sobre Casoca
Somos a plataforma oficial de especificação do mercado de arquitetura e design no Brasil. Com mais de 270 mil arquitetos e designers cadastrados, recebemos o acesso de mais de 15 mil profissionais diferentes em um único dia! Oferecemos, de forma digital e gratuita, acesso a um acervo de mais de 20 mil produtos, incluindo arquivos 3D, fotos, catálogos e informações técnicas fornecidas e atualizadas por mais de 350 marcas do mercado brasileiro. Tudo para que você possa realizar especificações com mais qualidade e agilidade para os seus clientes.