Ao longo dos séculos, a arquitetura evoluiu como uma linguagem que transcende barreiras culturais e geográficas, carregando uma sabedoria ancestral. Muitas das soluções que usamos hoje foram, na verdade, herdadas de civilizações antigas que souberam utilizar os recursos disponíveis de maneira engenhosa e sustentável. Esses ensinamentos, passados de geração em geração, continuam a influenciar o modo como projetamos nossas cidades e construções, mostrando que o passado ainda tem muito a nos ensinar.
O muxarabi é um exemplo claro desse legado. Utilizado há séculos no Oriente Médio e Norte da África, representa uma técnica milenar que, mesmo em meio às inovações tecnológicas do presente, mantém sua relevância e eficácia. Mais do que um simples ornamento, esse treliçado de madeira é a prova de como o conhecimento arquitetônico ancestral pode oferecer soluções práticas para questões contemporâneas, como o controle do calor e a busca por privacidade.
O que é o muxarabi? Conheça sua origem no Oriente Médio
Muxarabi, também conhecido como “mashrabiya” em árabe, representa os painéis decorativos geralmente feitos de madeira, com padrões geométricos ou orgânicos, que permitem a ventilação e a entrada de luz nos espaços internos, sem comprometer a privacidade dos ocupantes. Essa característica de “ver sem ser visto” foi amplamente utilizada em residências no Oriente Médio e no Norte da África, especialmente em países como Egito e Síria, onde os muxarabis adornavam as fachadas de casas e palácios.
A palavra “mashrabiya” deriva do termo árabe mashrab, que significa “local para beber”, referindo-se inicialmente a uma prateleira com buracos usada para armazenar jarros de água potável. A evolução desse conceito trouxe os treliçados para as fachadas, onde cumpriam a dupla função de resfriar o ambiente interno e proteger os moradores dos olhares externos, criando um microclima fresco em regiões de calor intenso.
A estrutura perfurada permite que o ar circule livremente, promovendo uma ventilação natural sem comprometer a privacidade. Essa característica era especialmente útil nas casas tradicionais, onde os habitantes podiam observar a movimentação nas ruas sem serem vistos, uma prática cultural importante nas sociedades mais conservadoras. Além disso, o muxarabi controlava a quantidade de luz solar que penetrava nas construções, filtrando os raios solares e protegendo os interiores do calor excessivo.
Conheça construções ao redor do mundo que usam muxarabi
O uso do muxarabi não ficou restrito a pequenas residências. Grandes obras arquitetônicas ao redor do mundo adotaram esse elemento como uma solução funcional e estética.
Bibliotheca Alexandrina, Egito
Inaugurada em 2002, a Biblioteca de Alexandria, projetada pelo escritório norueguês Snøhetta, é um exemplo contemporâneo de como o muxarabi pode ser reinterpretado. Em algumas áreas da biblioteca, treliças que lembram muxarabis foram aplicadas para controlar a iluminação natural e garantir conforto térmico em uma região de clima quente.
Instituto do Mundo Árabe, França
Localizado em Paris e projetado por Jean Nouvel, o edifício é um ícone da arquitetura moderna que celebra a fusão de culturas. A fachada do Instituto do Mundo Árabe é composta por painéis metálicos que lembram os padrões dos muxarabis, mas que utilizam tecnologia de ponta para abrir e fechar de acordo com a intensidade da luz solar, garantindo um equilíbrio entre ventilação, iluminação e controle térmico.
Al Bahar Towers, Abu Dhabi
Essas torres gêmeas, projetadas pela Aedas Architects, são outro exemplo impressionante da aplicação contemporânea dos muxarabis. Com uma fachada de mil painéis triangulares móveis que se abrem e fecham em resposta à luz solar, as Al Bahar Towers se destacam por sua abordagem sustentável ao sombreamento, utilizando princípios inspirados nos muxarabis tradicionais para reduzir a necessidade de resfriamento artificial em um clima árido.
Mashrabiya House, Bahrain
Esse projeto residencial projetado pelo escritório de arquitetura AGi Architects foi inspirado nos muxarabis tradicionais, trazendo a técnica para uma residência moderna que mistura privacidade e conforto térmico em um clima desértico. As fachadas perfuradas são uma adaptação do muxarabi ao contexto contemporâneo e funcionam para permitir a circulação de ar e a iluminação suave nos interiores.
KAPSARC (King Abdullah Petroleum Studies and Research Center), Arábia Saudita
Projetado por Zaha Hadid, o centro de estudos utiliza treliças e fachadas que evocam o design do muxarabi em sua estrutura geométrica, promovendo ventilação natural e protegendo os ambientes internos do calor intenso. A inspiração nas formas e funções dos muxarabis é um exemplo de como a arquitetura contemporânea pode integrar princípios antigos em edifícios inovadores.
A influência do muxarabi no surgimento do cobogó
O conceito de ventilação natural e controle solar atravessou continentes e chegou ao Brasil no início do século XX, quando arquitetos trouxeram para suas construções uma variação do muxarabi: o cobogó.
Criado por engenheiros e arquitetos como Amadeu Oliveira Coimbra, Ernest August Boeckmann e Antônio de Góis, o cobogó (nome originado a partir das iniciais dos sobrenomes desses três inventores) representa elementos vazados que permitem a circulação de ar e luz nos espaços, além de promoverem um visual interessante às fachadas.
Diferente do muxarabi, que geralmente é construído com madeira em padrões mais detalhados e intrincados, o cobogó foi concebido com uma abordagem mais simples e modular. Sua produção inicial em cimento foi posteriormente adaptada para outros materiais, como cerâmica, vidro e argila, proporcionando maior flexibilidade e variedade estética.
Reflexão: uma técnica milenar pode ser uma solução para as altas temperaturas
Com o aumento global das temperaturas devido às mudanças climáticas, soluções econômicas têm ganhado cada vez mais relevância.
Os últimos anos foram os mais quentes já registrados e as projeções indicam que as temperaturas globais continuarão subindo nas próximas décadas. No Brasil, o verão de 2023 registrou temperaturas médias superiores a 40°C em diversas regiões, calor que coloca em risco o conforto, a saúde e a segurança das populações em áreas urbanas.
Nesse sentido, o uso de técnicas de ventilação natural como os muxarabis pode reduzir o consumo de energia, o que representa uma contribuição positiva para a sustentabilidade. Além disso, eles também podem ajudar a combater o fenômeno das ilhas de calor urbanas, que ocorre quando as áreas densamente construídas absorvem mais calor do que os espaços naturais, resultando em temperaturas locais muito mais altas do que nas zonas rurais ao redor.
Arquitetos, urbanistas e designers têm, portanto, a oportunidade de revisitar essa técnica milenar e adaptá-la às necessidades atuais, buscando criar construções mais eficientes e harmoniosas com o ambiente. Ou seja, enquanto o mundo se aquece, a arquitetura pode buscar no passado as respostas para construir um futuro mais confortável e sustentável.
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