O patrimônio cultural é a herança viva que nos conecta às nossas raízes, tradições e identidade. Ele representa a riqueza de uma sociedade e a diversidade de suas expressões culturais ao longo do tempo.
No Brasil, a preservação e valorização do patrimônio têm ganhado cada vez mais destaque, impulsionando debates sobre como proteger e promover a cultura e a história das comunidades.
Para aprofundar esse tema, convidamos para uma entrevista exclusiva com o Casoca a Laura Beatriz Lage, arquiteta, urbanista, escritora e doutora em Arquitetura com ênfase em Gestão de Paisagens e Patrimônio Cultural. Na conversa, Laura nos traz sua visão sobre os desafios e oportunidades que cercam a conservação do patrimônio, além de discutir como arquitetos, designers de interiores e urbanistas podem contribuir para a valorização da cultura das comunidades.
Primeiramente, o que é patrimônio cultural?
Enquanto indivíduos pertencentes a uma sociedade, crescemos em um ambiente cultural que influencia nossa forma de viver, nossa personalidade e, claro, nossa identidade.
Nesse contexto, o patrimônio cultural se apresenta, basicamente, como todo conjunto de bens, manifestações e práticas que possuem valor histórico, artístico, científico, social ou espiritual para um determinado grupo, sociedade ou nação.
Existem dois tipos de patrimônio cultural: o material, que abrange os bens físicos que têm valor e importância histórica (como obras de arte, cidades, prédios, conjuntos arquitetônicos, parques e sítios arqueológicos) e o imaterial, que faz parte da cultura social (como idioma, culinária, festas, religião, entre outros).
E se engana quem pensa que a ideia de patrimônio cultural é recente: desde a Antiguidade, civilizações já demonstravam reverência por monumentos e obras do passado. O Renascimento reacendeu o interesse pelas artes clássicas, enquanto o Iluminismo e o Romantismo impulsionaram a criação de museus públicos e sociedades científicas.
No século XX, a criação da UNESCO e a Convenção do Patrimônio Mundial, em 1972, estabeleceram critérios para proteger sítios culturais e naturais globalmente. A Carta de Atenas, de 1931, foi pioneira ao enfatizar a preservação do contexto histórico de monumentos, enquanto a Carta de Veneza, de 1964, que comemora 60 anos em 2024, enfatiza a importância de preservar não apenas o próprio monumento, mas também o ambiente que o circunda.
Patrimônio tombado x reconhecido pela coletividade: qual a diferença?
Para que possamos entender melhor o assunto, é preciso mencionar que um patrimônio cultural de um povo pode ser tombado por órgãos competentes ou não.
O patrimônio tombado também faz parte do patrimônio cultural e é reconhecido por um órgão competente: a nível estadual, o IEPHA (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico), a nível federal, o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e a nível global, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
Os bens culturais são protegidos devido ao seu valor histórico, cultural, arquitetônico ou artístico, o que impede alterações, demolições ou modificações sem autorização. Para que um patrimônio seja tombado, Laura explica que é preciso ser feito um pedido oficial: “qualquer pessoa pode ir a um dos órgãos de patrimônio e solicitar que tal edificação seja tombada, tal manifestação seja registrada ou tal comida típica seja reconhecida. Os órgãos analisam a relevância do patrimônio e, então, ele pode ser reconhecido oficialmente”.
Porém, vale lembrar que um patrimônio cultural não deixa de ser importante e valorizado por uma coletividade caso não seja tombado por uma instituição. “Eu me lembro da minha cidade que tem o fubá suado, que pode ser reconhecido como um patrimônio estadual ou municipal de algumas áreas de Minas Gerais. Não necessariamente ele é reconhecido institucionalmente, mas está na memória afetiva de muitas pessoas”, menciona Laura.
As dez cidades que estão na lista de patrimônios históricos nacionais
O Brasil é um país rico em patrimônios materiais e imateriais tombados pelo IPHAN, incluindo artefatos artísticos, igrejas e museus, até cidades e patrimônios culturais intangíveis.
Além disso, a UNESCO reconheceu dez cidades brasileiras como patrimônios culturais da humanidade:
- Conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico Congonhas (MG)
- Conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico da Cidade de Goiás (GO)
- Conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico de Brasília (DF)
- Conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico de Diamantina (MG)
- Conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico de Olinda (PE)
- Conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico de Ouro Preto (MG)
- Conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico de Salvador (BA)
- Conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico de São Cristóvão (SE)
- Conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico de São Luís (MA)
- Conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico de São Miguel das Missões (RS)
- Conjunto da Pampulha (MG)
- Conjunto paisagístico do Rio de Janeiro (RJ)
- Sítios arqueológicos da Serra da Capivara (PI)
Os desafios e soluções na conservação do patrimônio histórico
Agora que já demos um contexto maior ao conceito de patrimônio histórico, é importante conhecermos os desafios para a conservação desses bens, sejam materiais ou imateriais.
Vale ressaltar que, de acordo com o histórico brasileiro, é possível perceber que o nosso país tem uma forte tradição desenvolvimentista. Isso significa que, muitas vezes, a transformação urbana remove qualidades ambientais e paisagísticas e não dialoga com a preexistência das cidades, o que acaba fazendo com que as pessoas não se identifiquem mais com o seu próprio lugar. “Essa necessidade de desenvolvimento do novo o tempo todo é um desafio. Infelizmente, o patrimônio, assim como o meio ambiente em algumas áreas, é considerado entrave ao desenvolvimento”, comenta Laura.
Mas na verdade, o grande problema disso não é a transformação feita no ambiente, mas sim como ela acontece. Então, fica a dúvida: como é possível avançar nas modernizações urbanas sem perder a identidade dos patrimônios culturais de um povo?
A resposta é um tanto quanto complexa e plural. De acordo com Laura, a primeira solução é, claro, a educação. Já que muitas pessoas perderam o poder de apreciação do seu entorno, a educação se mostra como uma forma de resgate à história, aos valores culturais e à identidade: “a educação patrimonial faz com que as pessoas reconheçam o patrimônio, reconheçam a sua identidade e possam contribuir para um desenvolvimento mais harmônico com a preexistência”, afirma a pesquisadora.
A segunda forma de mudar esse cenário é com investimentos de uma política que valorize a identidade de um povo e ajude na divulgação de edificações, áreas e manifestações artísticas diversas.
Já a terceira forma é por meio das novas tecnologias, grandes aliadas no processo de preservação: “elas trazem a possibilidade de levar o patrimônio até um público que tem dificuldade de acesso, não só por questões físicas e sensoriais, mas também financeiras”, explica Laura. Soluções como a fotogrametria digital para criação do modelo virtual de edificações, a gamificação, os sensores virtuais e a Realidade Virtual podem contribuir para a reconstituição, preservação, estudo e divulgação de bens culturais.
Afinal, como arquitetos podem contribuir para a preservação do patrimônio cultural?
Obviamente, a arquitetura e o urbanismo estão diretamente ligados ao exercício de preservação do patrimônio cultural de um povo.
Nesse sentido, Laura afirma que arquitetos, urbanistas e designers de interiores podem contribuir sendo mais sensíveis ao histórico da cidade. De acordo com ela, o ideal é “ter mais sensibilidade com o entorno para que o projeto dialogue de forma harmônica, crie continuidade com o tecido urbano e contribua com a melhoria da qualidade ambiental e paisagística do espaço”, sugere.
Sobre Laura Beatriz Lage
Laura Beatriz Lage é arquiteta, urbanista e estudiosa de Patrimônio Cultural, além de doutora em Arquitetura com ênfase em Gestão de Paisagens e Patrimônio Cultural pela UFMG.
Seu livro “Paisagem como Modo de Entender o Mundo” conecta disciplinas como arquitetura, urbanismo, arte e ecologia para abordar, por meio da experiência estética e sensível (cinestésica) do ambiente, as possibilidades de (re)integração do homem e seu meio a partir da perspectiva da paisagem. Adquira o livro na Amazon, na Livraria da Travessa ou na Editora UFMG.
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